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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Os projetos como prática pedagógica

Angela Cruz*

Promover o desenvolvimento de projetos na escola implica estimular mudanças significativas na organização curricular, nas relações entre professores, alunos e comunidade e na própria relação do jovem com o saber e o aprender.

A prática de projetos flexibiliza a organização do currículo, podendo romper com a linearidade e a fragmentação dos conteúdos disciplinares. A necessidade de se percorrer caminhos diferenciados de pesquisa no desenvolvimento de projetos aproxima conhecimentos necessários à compreensão de forma integrada, sem estarem necessariamente dispostos seqüencialmente. Isso estimula o tratamento interdisciplinar, pois as relações conceituais se dão mais facilmente, já que após definirem a temática e/ou o problema a serem desenvolvidos, professores e alunos das disciplinas participantes do projeto passam a discutir mais proximamente os conhecimentos, articulando-os. A identificação das diversidades e das semelhanças de cada disciplina, bem como a compreensão do seu papel na área de conhecimento em que está inserida, tornam-se mais evidentes contribuindo, assim, para a organização de um currículo integrado, que supere os limites disciplinares.

Outro fator favorável promovido pelo desenvolvimento de projetos na organização curricular corresponde à possibilidade do trabalho contextualizado. Sabemos o quanto é importante contextualizar a aprendizagem, partindo da análise de contextos que sejam familiares aos alunos, possibilitando-lhes compreender e transitar mais facilmente por outros contextos, diferentes de sua realidade cotidiana. Quando o projeto definido por professores e alunos parte de uma problemática que lhes é familiar (não necessariamente vivenciada pelo grupo e/ou pela comunidade), a apreensão do sentido, do significado do enunciado se dá mais facilmente.

Mudanças importantíssimas nas relações entre professores, alunos e comunidade também acontecem quando se trabalha com projetos. A participação dos interessados no processo educativo é fundamental, reconhecendo que vivenciá-la não é algo fácil e corriqueiro: situações de enfrentamento com o "poder" são freqüentes. Mas o processo participativo vai sendo conquistado quanto maior for o compromisso, o envolvimento e a presença em ações que exigem esforço coletivo. Daí o trabalho com projetos ser excelente "aliado" na conquista de parceiros e colaboradores para a consecução das ações e no aprimoramento, portanto, das relações que se dão em sala de aula e com a comunidade. Por isso é importante divulgar o projeto que será desenvolvido, pois quanto maior a visibilidade alcançada, mais ampla será a possibilidade de participação.

As relações existentes na escola estão vinculadas à própria relação do jovem com o saber e o aprender. Ao afirmarmos que o processo de participação deve ser conquistado, reconhecemos que aspectos do "poder" circulam entre seus agentes, ocupando os espaços escolares. Devemos estimular debates sobre participação, cidadania e autoridade nas escolas, pois refletindo e discutindo sobre essas questões estaremos promovendo mudanças importantes na relação do aluno com o aprender.

A autoridade do professor é legitimada porque ele é mais velho ou mais experiente que os alunos? A crença comum é de que o professor possui ou guarda algo (saber) que os outros carecem, daí ele possuir características particulares.

A confiança dos alunos no professor aumenta proporcionalmente à sua segurança frente aos conhecimentos teóricos e ao domínio metodológico que possui. Porém, a humildade em reconhecer que na relação pedagógica a aprendizagem não se dá de forma unilateral, e sim reciprocamente, faz com que os alunos estabeleçam outra relação com o saber e o aprender.

Como afirma Paul Ricoeur (1969), a tendência do ensinante é pensar que o ensinado não sabe nada, que aprender é passar da ignorância ao saber, e que essa passagem está em poder do mestre. Ora, o ensinando traz alguma coisa: aptidões e gostos, saberes anteriores e saberes paralelos e, sobretudo, um projeto de realização pessoal que não será, senão parcialmente, preenchido pela instrução, pela preparação profissional ou pela aquisição de uma cultura para os momentos de lazer. (...) O contrato que liga o professor ao aluno comporta uma reciprocidade essencial, que é o princípio e a base de uma colaboração. Contribuindo para a realização parcial do projeto do aluno, o professor continua a aprender; ele é verdadeiramente ensinado pelos seus alunos e, assim, recebe deles ocasião e permissão de realizar o seu próprio projeto de conhecimento e de saber. Eis porque é preciso dizer – parafraseando Aristóteles – que o ensino é ato comum do professor e do aluno.

O trabalho com projetos também favorece a existência de novas relações na escola e do aluno com o saber e o aprender, na medida em que evidencia a possibilidade de produção do conhecimento pelo aluno.

Outra forma de o aluno se relacionar com o aprender é levá-lo a reconhecer que o saber é um valor em si e que adquiri-lo permite comunicar-se melhor, partilhar o mundo com as pessoas e adquirir maior autonomia. E este reconhecimento deve ser estimulado tanto por professores como pela família.

Na relação com o aprender também está inserida a questão do desejo. Nem sempre os alunos desejam aprender o que os professores selecionam. Os projetos facilitam esta questão, especialmente quando a problematização ou a temática – definida coletivamente – desperta nos alunos certos ecos. Para que isso aconteça, para que haja eco e desejo na apropriação do saber, é importante que aspectos das culturas juvenis – em especial os que se referem às linguagens e aos valores – se (inter)relacionem com os conhecimentos "que se aprendem na escola" e que serão discutidos através dos projetos.

Enfim, o trabalho com projetos estimula práticas democráticas no cotidiano escolar, pois a temática ou o problema a ser desenvolvido(a) é definido(a) coletivamente, a partir da discussão entre professores, alunos e, muitas vezes, até junto à comunidade. Isso minimiza a freqüente imposição do que será estudado. E as etapas a serem percorridas a partir daí também devem passar por discussão, troca e avaliação constantes. Esta relação, que se dá através da busca do saber de forma coletiva (mesmo que com etapas de pesquisa individuais), de descobertas e conquistas assumidas pelo grupo, acaba por estimular o protagonismo dos alunos.


Referências bibliográficas:

Aquino, Julio Groppa (org.). Autoridade e autonomia na escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1999.

Charlot, Bernard (org.). Os jovens e o saber: perspectivas mundiais. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre:Artmed Editora, 2001.

_______________. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Trad. Bruno Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

Furlani, Lúcia M. Teixeira. Autoridade do professor: meta, mito ou nada disso? 6. ed. São Paulo, Cortez, 2000. (Coleção Questões da Nossa Época; v.39).

Hernández, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Trad. Jussara H. Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Resende, Lúcia M. G. de. Relações de poder no cotidiano escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995.

Ricoeur, Paul – Reconstruir a universidade. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, n.9, pp.51-9.

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