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segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Manual infame e a hermenêutica diatópica.

Prof. Aguiar

- o buraco negro da orientação educacional - encontrava-se recluso em seu aposento – um pequeno quarto, simples, mas confortável. Estava fazendo algumas elucubrações a respeito da hermenêutica diatópica em que Brandão reconheceu a inviabilidade total de seus escritos constituídos de 500 páginas. da educação pública e ao mesmo tempo lia a tese de doutorado “Educação como Cultura” de Carlos Rodrigues Brandão, defendida em Harvard, cuja banca examinadora era constituída de cinco membros e a tese já havia sido aprovada, com louvor, por quatro dos examinadores, foi quando o emérito prof. Aguiar fez uma pergunta simples,

A mente brilhante de Aguiar perguntou sobra a utilidade prática daquelas 3 milhões de palavras, 300 axiomas, 500 hipóteses e 200 problemas para a melhoria da qualidade das escolas públicas do estado do Pará?

Brandão, não conseguiu responder ao questionamento de Aguiar, sendo, então, acometido por um surto psicótico, e foi recolhido por determinação médica a um nosocômio, chefiado por um amigo do prof. Aguiar, conhecido como Simão Bacamarte.

Lá teve tempo de elaborar uma nova tese, produto de sua discussão com Levy Straus, Foucault, Marcela Cajardo, Carlos Estevão, Milton Santos, Boaventura da Silva, Tomaz Tadeu, Vigotsky, Libâneo, Paulo Freire, Marilena Chauí, Candau, Bernad Charlot, doutor House, detetive Monk e alguns professores da rede estadual de ensino de Belém do Pará, que lá já se encontravam devidamente trancafiado por seu fiel amigo.

Aquela mente brilhante foi abruptamente interrompida, quando sua mãe adentrou em seu aposento, informando que havia chegado um aluno de uma determinada escola pública que precisava de orientações educacionais. Foi então que sua mãezinha lhe interpelou: “Aguiar, mais esta agora? Já não basta tu produzires programa de computador de graça, viajar a serviço, sem diária no teu próprio packard, e ainda por cima levar multa para não se atrasar aos eventos da SEDUC no final de semana, ainda vais atender este jovem em casa e de graça?

Aguiar pensou com seus botões: “minha mãezinha quando me diz estas coisas é porque está precisando de dinheiro para arriscar naquele malfadado jogo de azar”.

O jovem mancebo adentrou no quarto humilde do prof. Aguiar e foi direto ao ponto “Prof. Aguiar há cinco anos estou repetindo a mesma série. Já passei pelas mãos de psicólogos, pedagogos, neurologistas, pai de santo e não consigo de maneira alguma passar de ano. Falaram-me que o senhor é o cara da orientação educacional. Ajude-me, pelo amor de deus, senão meus pais me expulsarão de casa.

O Prof. Aguiar incólume pensou na indicação de várias leituras e dinâmicas cognitivas que facilitariam a aprendizagem daquele infeliz aluno, foi quando se lembrou do manual que havia elaborado em 1910, que ficou conhecido nas academias do mundo como MIA (Manual Infame do Aguiar).

Aguiar dirigiu-se até sua Livreira em Rádica de Imbuia e retirou o MIA, manual tão temido pelos preceptores, por garantir a aprovação em 100% dos alunos que seguem sua orientação. O nosso gênio indomável destacou o capítulo de nº 5.013, que trata da educação básica, e disse ao jovem aprendiz: “copie, estou te dando a chave que abrirá as portas para sua aprovação e seu sucesso”.

A livreira

Eis as regras do jogo:

  1. Elogie sempre o seu preceptor. Os professores adoram ser elogiados.
  2. Nunca questione as ideias e a competência profissional de seu tutor. Mesmo que ele seja um profissional relapso e pouco dedicado à escola.
  3. Anote os bordões utilizados por eles e, repita ipsi litter nas provas. Aliás, sempre observe as provas dos anos anteriores, principalmente aquelas já amareladas pelo tempo.
  4. Se declare adepto das ideologias defendidas por seus professores na seguinte ordem de importância: se seu professor for estruturalista se declare defensor supremo e perpétuo destas idéias; se marxista, leve sempre um livro de Marx para a sala de aula, ainda que você desconheça seu conteúdo; se positivista, faça um desenho da bandeira do Brasil em sua carteira escolar, com destaque para a frase ordem e progresso, ao ver esta façanha, seu professor se emocionará e passará a tratá-lo diferente dos demais.
  5. Se sua mãe perceber alguma palavra escrita de forma errada em seu caderno, que você anotou do quadro, diga que o erro foi seu. Mestres são infalíveis.
  6. Divulgue aos quatro cantos da escola que o seu professor é o melhor. Isso faz muito bem ao ego de nossos educadores.
  7. Sem seu professor saber, contrate outro para lhe dar aulas particulares. Mas cuidado, peça para ele seguir o mesmo método de seu professor. Sua nota vai melhorar. Credite o seu sucesso ao esforço genial e inquestionável de seu mestre.
  8. Fique sempre calado, não faça perguntas e, principalmente não questione seu professor. Concorde com tudo que ele disser por mais idiota que lhe pareça.
  9. Caso algum aluno sugira ao professor para ministrar uma aula na sala de informática, levante pela primeira vez a mão e diga que não concorda. É muito simples, alunos sabem mais de informática do que seus professores, eles ficarão gratos a você.
  10. Se você algum dia se olhar no espelho e ver a cara do seu professor, não se espante, isso é a prova de que meu método está funcionando: os professores esperam que seus alunos sejam a sua imagem e semelhança, inclusive nos seus piores defeitos.

Transcorridos dois dias da consulta, o jovem voltou trazendo de presente para o professor Aguiar dois bípedes e um palmípede, e lhe disse: “professor Aguiar segui seus conselhos e por incrível que pareça, em dois dias, avancei dois anos nos meus estudos, e sou considerado o melhor aluno da escola, pelo jeito em breve me tornarei doutor.”

O palmípede

Aguiar aproveitou a oportunidade para revelar o sexto segredo da SEDUC. A maioria dos professores se diz progressista, libertário, adepto das mais modernas teorias educacionais, mas em suas práticas pedagógicas em sala de aula são extremamente conservadores.

Análise do Texto Literário: Famigerado


Releituras de Guimarães Rosa


Por Emília Carvalho


INTRODUÇÃO


Esta produção trata-se da leitura e análise do texto “Famigerado” de Guimarães Rosa, de sua obra Primeiras Estórias, publicada em 1962, cujo assunto em pauta é o Modernismo. O estudo tem como objetivo explicar as características da geração modernista, a qual pertence o autor, de forma a: Apontar, nos contos de Guimarães Rosa, elementos do estilo moderno, na prosa, (enredo, linguagem, personagens, foco narrativo, temática, tempo e espaço); Relacionar os textos de Guimarães Rosa, com fatos da vida contemporânea; Observar a presença do cotidiano nos textos dos prosadores modernistas.

Essa Narrativa empenha-se em traduzir o significado de uma palavra – “famigerado” - onde todo o seu enredo é centrado em torno desse termo, o que leva a inferir que o tema do texto é a própria linguagem, estabelecendo-se, assim, como uma narrativa metalinguística. A narrativa acontece na primeira pessoa, constitui-se num episódio cômico, quando a lemos como se fosse uma adivinha às avessas, invertendo as posições do inquiridor e do questionado.

Desta forma, seu enredo nos envolve revelando uma riqueza de procedimentos estilísticos, trazendo como temática de fundo a modernização do sertão nos anos 60, o embate entre o letrado e o jagunço revela tensões e ambiguidades, abordadas pela estilística e pela psicanálise.


ANÁLISE

Considerando a diversidade línguistica, podemos analisar esta narrativa em torno do significado da palavra “famigerado”, confrontando a posição de um personagem letrado com a de um personagem popular da literatura sertaneja, um jagunço.

O personagem letrado é o próprio autor, que descreve o seu confronto em palavras com o perigoso jagunço, conhecido e temido na região, que ao chegar aflito em sua residência, deseja saber o significado da palavra “famigerado”.

É interessante notar a constante preocupação de cada um dos personagens em descobrir o que existe por detrás das palavras, o jagunço desejando ter posse do conhecimento, uma vez que suas ações dependiam disso e o narrador querendo saber o motivo da curiosidade do jagunço em querer desvendar o significado de tal palavra, ao mesmo tempo, permeado pelo medo de que tenham feito uma possível intriga contra ele. Para isso, de forma temerosa o homem culto, tinha que procurar ler nas entrelinhas das palavras do jagunço para entender suas mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios, para dar-lhe uma reposta “agradável”.

Então, o autor personagem, receoso de revelar o verdadeiro sentido da palavra, mente, pois teme a violência do jagunço contra o “moço do Governo” que assim o havia chamado. Ele explica que “famigerado” quer dizer “célebre”, “notório”, “notável”. Damázio, o jagunço, depois de tranqüilizado com a resposta do médico, agradece e vai embora, antes, porém, considera que: “Não há como as grandezas machas de uma pessoa instruída”.

Neste momento da narrativa percebemos traços característicos da geração de 45, como por exemplo, a preocupação com o espaço exterior em segundo plano, pois a narrativa centra-se no espaço central das personagens, realçando-lhes as características psicológicas em detrimento das características físicas. Guimarães Rosa pertence a esta geração, por ser um escritor pós-moderno, conforme indicam suas obras, que essencialmente procuram analisar nossa realidade social.

Por fim, Considerando que o falante ideal é aquele que adapta a linguagem às diversas situações de comunicação, o que nos permite notar, que no decorrer da leitura do texto, Guimarães Rosa utiliza como recursos característicos de suas obras, de uma forma bastante singular; regionalismos; neologismos; registros da oralidade e inventivas construções sintáticas e morfológicas, a fim de tratar da própria linguagem e de seu reflexo como instrumento de diferenciação social. Pois, ao longo do conto o médico não só usa o vocabulário culto como o popular também como forma de se aproximar mais do jagunço, como por exemplo, quando diz: “- Olhe: eu,... hum, o que eu queria mesmo uma hora destas era ser famigerado – bem famigerado, o mais que pudesse!...”.

De acordo com Marcuschi (cf.1997:13, 68), neste contexto, o médico usou, um “marcador conversacional preposicionado”. É uma “hesitação ou sinal de atenção não lexicalizado, como forma de orientar o ouvinte”: “olhe” e “hum”. Além disso, o narrador-personagem faz uso de algumas palavras e expressões próprias da região, tais como: “rente”; “... um alazão; bem arreado, ferrado, suado”; “desprezivo”; “O medo me miava”; “estranhão”; “uma jereba papuda”; “urucuiana“; “grossudo”; etc. Quanto ao jagunço, este manteve sua a linguagem invariável, mostrando, assim, que não tinha competência lingüística para reformular sua fala. Por outro lado, ele tinha a consciência de que nas relações de poder as formas de tratamento variam conforme o status da pessoa na sociedade, tanto que podemos concluir que através da linguagem e do conhecimento pode-se ou não determinar as posições sociais.

Nesse conto podemos opor o poder da força ao poder da instrução, (a força do jagunço e o conhecimento do médico), o do letrado ao do não-letrado, representando ainda os embates da ignorância contra conhecimento, da força física contra força intelectual (na violência e nas armas de Damázio e no poder das palavras). Ademais, verificamos que ocorre um processo metonímico de uma situação mais ampla, o embate entre sertão e cidade, que ainda se configura em outros embates como o do governo e da jagunçagem, o do moço do Governo e o do jagunço Damázio. Nesse sentido, percebemos que o dualismo é a chave de interpretação da estória, que se baseia em dois princípios opostos e coexistentes. São duas forças opostas que coexistem sem se negar, como os outros dualismos do conto.

Portando, conclui-se que caso o médico tivesse revelado o sentido dicionarizado do termo “famigerado”, levando em consideração o contexto no momento da enunciação estaria, por certo, infligindo uma sentença de morte ao “moço do Governo.” Essa escolha do narrador explicita um princípio preconizado por Guimarães Rosa, que é o da necessidade de buscarmos o sentido primitivo, original das palavras, para que elas possam realmente expressar realidades mais profundas, como a do jagunço, que respeita o poder das palavras, pois, ao receber o significado original de “famigerado”, assume sua positividade e despe-se da carapuça de sertanejo violento.

Esta obra de Guimarães Rosa Embora de caráter regionalista supera o regionalismo tradicional, que ora idealizava o sertanejo, ora se comprazia com aspectos meramente pitorescos, com o realismo documental ou com a transcrição da linguagem popular e coloquial. Essa superação deve-se à riqueza de sua linguagem e ao caráter universal das questões morais e metafísicas presentes em sua obra.

Criando um estilo absolutamente novo na ficção brasileira, Guimarães Rosa estiliza o linguajar sertanejo, recria e inventa palavras, mescla arcaísmos com vocábulos eruditos, populares e modernos, combina de maneira original as palavras, prefixos e sufixos, constrói uma sintaxe peculiar e explora as possibilidades sonoras da linguagem, através de aliterações, onomatopéias, hiatos, ecos, homofonias e faz uso da metalinguagem que cumpre um importante papel neste texto "Famigerado", pertencente ao livro Primeiras estórias de Guimarães Rosa.

As Primeiras estórias apresentam similaridades, não só nos enredos - na variação dos quais nosso autor capricha, como sempre - mas na estrutura deles. Ou seja, todos têm acentuado suspense, e esse suspense às vezes é climático e às vezes anticlimático. Em alguns casos, e muito interessantes, o clímax é um anticlímax, com a construção intensa do suspense sendo desmanchada, porque o que se aguardava não acontece, ao contrário, falha e frustra a expectativa do leitor.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o próprio autor, em Primeiras Estórias (1962) há a intenção de apresentar fábulas para as crianças do futuro. Seus 21 contos, portanto, são narrativas preocupadas em tematizar, simbolicamente, os segredos da existência humana. Para tanto, utilizará sempre personagens que estão à margem da sociedade, as mais preparadas para transcender a realidade (fato proibido em Vidas Secas, como se pode perceber no capítulo “O Menino Mais Velho”). Todas se encaminharão para um momento de grande revelação, na maioria das vezes percebível, em que excederão sua própria condição. São, portanto, histórias de excessos.

Cabe ressaltar que apenas um dos traços dessa cultura, isto é, a existência de um falar que, não obstante variantes lingüísticas regionais, apresenta invariantes que lhe dão relativa unidade e o opõem aos falares urbanos – o falar sertanejo. Pois bem, é precisamente esse falar sertanejo que Guimarães Rosa estiliza na sua obra ficcional. Para termos uma idéia da natureza dessa estilização, este conto “Famigerado”. Trata-se de um zelo de narrativa, em que predomina a função metalingüística da linguagem, pois tudo gira em torno da explicação do sentido da palavra famigerado. A primeira observação a fazer é que a estilização de Guimarães Rosa incide sobre certos aspectos da linguagem sertaneja, sem, entretanto, violentar o sistema do português.

Apropriando-se desse poder das palavras, devido à sua formação intelectual aliada à sua posição de “leitor vidente”, o narrador soube administrar a ambivalência de “famigerado” e utilizou-se de sua definição servindo-se da mesma como uma solução para a situação. Optou pelo significado original, menos utilizado, porém mais adequado ao momento, de forma a afastar o perigo – a morte – de si e do moço do Governo, que na verdade usara o termo em seu sentido usual, depreciativo. Uma interpretação contrária indicaria que o narrador censurou a verdade, haja vista, que “famigerado” pode designar: “famoso, importante, que merece respeito”. Embora, boa parte das pessoas usa esse termo com o sentido de “maldito, desgraçado”, provavelmente o sentido usado pelo “moço do governo”, conforme citado acima.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. 6ª Edição. Curitiba: Positivo, 2004.

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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação, 3.ed. São Paulo:Ática,1997.

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ROSA, João Guimarães. Famigerado. In: Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. p. 13-17.

_____________________: Veredas. 19. Ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2001.

Texto de apoio

ROSA, João Guimarães. Famigerado. In: Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. P. 13-17.