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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Avaliando num currículo por competências

Como avaliar e que critérios utilizar?
A primeira e mais óbvia constatação é: se as competências são construídas "em situação" (de aprendizagem), então a avaliação também deve ser realizada "em situação". Assim, a própria situação de aprendizagem deverá sugerir como avaliar. Se estamos falando da competência de "Debater, tomando uma posição, defendendo-a argumentativamente, e mudando de posição em face de argumentos mais consistentes", tanto a construção quanto a avaliação dessa competência só podem ocorrer em situações práticas de debates reais. Aqui não faz nenhum sentido "aplicar uma prova" sobre isso, por exemplo, cobrando este ou aquele conhecimento ensinado em particular. Que adianta ao aluno "saber" todas as informações sobre o assunto objeto do debate se ele não estiver em condições de argumentar ou expressar-se adequadamente, intervir oportunamente etc.? O que será avaliado é, então, a vivência adequada e produtiva da situação de debate; a capacidade do aluno de mobilizar os conhecimentos construídos para enfrentar um debate específico, por exemplo, sobre "a importância do diálogo e da auto-avaliação para a aprendizagem".

A avaliação é só das competências ou dos conteúdos também?
Se quisermos apenas verificar se nosso aluno é capaz, por exemplo, de "realizar cálculos a partir de fórmulas", ou simplesmente "listar características do barroco literário", é suficiente aplicar um instrumento tradicional como a "prova escrita". E mesmo que mudemos o instrumento, dando-lhe um aspecto mais "dinâmico", nem por isso estaremos mudando o que está sendo avaliado – um "objetivo de ensino". Em geral, o que está sendo avaliado nesses casos é se o aluno adquiriu ou não os conhecimentos ensinados a respeito. E embora o professor até se preocupe com o domínio mental das operações de cálculo ou com a identificação ativa e contextualizada dos períodos artísticos, de fato, suas avaliações não têm colaborado para esse objetivo. Não parece ser este o foco da avaliação tradicional. Aí, o rumo tomado tem sido o do "quanto mais, melhor" e não o do "quanto melhor, melhor"...

Portanto, como Perrenoud adverte exaustivamente, não é possível construir competências sem conhecimentos e, por conseguinte, avaliar competências implica automaticamente avaliar a construção de conhecimentos. A diferença está apenas no foco do trabalho escolar: os conhecimentos a serem avaliados são aqueles que, ao serem mobilizados, definem a solução dos problemas enfrentados. A definição de quantos e quais conhecimentos são relevantes para aquela determinada aprendizagem não precisa ser uma lista interminável. Uma vez que nosso aluno não tem que conhecer, por exemplo, as informações altamente técnicas que um estudante de nutrição aprende na faculdade, teríamos mais tempo para nos dedicar ao treinamento das práticas alimentares corretas em vez de obrigá-lo a memorizar o que não faz parte do contexto daquela competência específica. Mas podem fazer parte da lista algumas informações a respeito da identidade, dos processos de formação subjetiva, das emoções e da personalidade, se pensarmos no aluno "gordinho".

Que instrumentos utilizar ou desenvolver para realizar essas avaliações?
As próprias situações de aprendizagem irão sugerir os melhores instrumentos. E se dissemos que não adianta mudarmos de instrumentos e permanecer com a mesma postura, podemos afirmar que, vice-versa, mudando de postura não precisamos jogar fora todos os nossos instrumentos. O que vamos precisar é reconectá-los a um currículo por competências, recuperar seu sentido originário. Por exemplo, a conhecida "argüição" ou "prova oral" bem poderia ser reformulada para dar lugar a uma avaliação conectada ao desenvolvimento da oralidade e de todo o eixo de competências de comunicação e representação, que pode ser um debate, mas também apresentações artísticas, respostas diversas a perguntas pertinentes (durante uma aula, após um filme etc.), declamação lírica etc.
Em vez de ficar preocupado com uma nota, o aluno deve estar preocupado em desenvolver a competência de escrita. Logo, a atitude de "colar" significará que ele mesmo não acredita que vai desenvolver aquela competência. A atitude formativa, nessa situação, seria levá-lo a se envolver com a própria formação e na eventualidade de um flagrante de "cola", o professor teria um ótimo momento para trabalhar a auto-estima do aluno e seu envolvimento com as próprias aprendizagens. Um momento que se perde se a atitude for, simplesmente, "tomar a prova e dar zero". Além disso, uma vez que sabemos que muito do que aprendemos ocorre quando conversamos, que tal estimular mais a "cola" (bate-papo que faz circular o conhecimento) entre os alunos e a "cola" ou "consulta" (pesquisa individual dos conhecimentos) trazida de casa, de modo tal que, de algum modo, eles estejam sempre envolvidos com os conhecimentos trabalhados?

Com que periodicidade avaliar e quando certificar?
De modo geral, o sentido da avaliação formativa está em estabelecer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão do trabalho – as tais regulações da aprendizagem. Para fazer uma comparação simples, imaginemos a rotina de jogos de um time de futebol. Tendo que competir nos campeonatos, seus resultados indicarão ao treinador se está na direção certa ou não. Dependendo de como as coisas estejam indo, muda-se um jogador, altera-se o esquema tático, intensificam-se os treinamentos etc. No caso da escola, embora os alunos não estejam competindo contra ninguém e muito menos entre si, é necessário estabelecer alguns marcadores periódicos com a finalidade de diagnosticar no momento dado, a amplitude de competência já construída.
A bem da verdade, quando a cultura escolar de senso comum se refere ao tema da avaliação está quase sempre pensando, de fato, em certificação, isto é, na decisão oficial/final a respeito do que foi aprendido. É por isso também que é freqüente chamar de "avaliação" apenas as situações clássicas de exames escritos, através dos quais, mediante a aposição de um índice numérico (em algarismos ou letras – os conceitos – que refletem algarismos, numa escala qualquer), se indica formalmente e "para efeito de boletim" qual é o "valor" que aquele aluno tem. Instrumento de poder e controle da "disciplina", o sistema de notas – prêmios e castigos – não tem, conceitualmente, condições de promover uma educação inclusiva, dialógica e voltada para a cidadania – finalidade da educação básica. O que parece meritocracia é, de fato, mecanismo ideológico de dominação, seleção, exclusão e aumento do abismo entre "quem já tem" e "quem não tem". Impossível esquecer, por exemplo, o caso dos alunos reprovados porque "não estudam". Será que ninguém lembra de considerar que "não querer estudar" é uma deficiência culturalmente construída que cabe precisamente à escola sanar com todos os seus meios? Será que alguém ainda pretende que caiba ao aluno (no caso em questão, um aluno que está especialmente desmotivado) resolver isso por livre iniciativa, fazendo-lhe algumas "admoestações" bem-intencionadas?
É importante ter bem claro que, quanto mais geral for a competência a ser construída, mais tempo será necessário para a sua aquisição. A avaliação não pode ser senão contínua, cumulativa e qualitativa. Mesmo quando a competência for bastante específica (normalmente entendida como "habilidade") o tempo necessário para a sua construção é, em geral, muito diferente daquele dedicado a uma "unidade didática" tradicional. É por isso que tem se falado tanto de portfolios, querendo significar um "arquivo" onde o aluno coleciona todos os registros que ele produz em seus processos de aprendizagem.

Como é possível avaliar competências de tantos alunos individualmente nas tantas classes do mesmo professor?
Tratando-se de um tipo de avaliação que exige observação dos desempenhos em situação, e não sendo possível observar todos os alunos ao mesmo tempo, a avaliação formativa requer que se revejam os papéis e dispositivos didáticos tradicionais.
Já sabemos que uma das melhores formas de desenvolver competências é organizar o currículo a partir de projetos de trabalho, a serem, evidentemente, negociados e construídos com os alunos. Nesse caso, a primeira necessidade que o contrato didático impõe é que o aluno se envolva com sua aprendizagem, de modo a estar em condições de realizar auto-avaliações. É primeiro o aluno quem deve poder dizer se está aprendendo, se aprendeu ou não. O professor, naturalmente, pode discordar, mas isso só terá efeito se o aluno compreender perfeitamente as razões da discordância, e aí, o aluno já passa a compreender a solução mais razoável para o problema. O que não significa que o professor tenha sempre razão, uma vez que, num trabalho por projetos, nem os alunos nem o professor já detêm todas as respostas. O que o professor já consolidou bastante são aquelas competências que eles, alunos, ainda não consolidaram. É por isso, aliás, que é o professor quem certifica. Mas não tem que ser ele sozinho quem "vai dar conta" de tantos alunos. O conjunto de professores e demais agentes escolares e, sobretudo, os próprios alunos se encarregarão disso.

Quem avalia, só o professor ou o aluno?
No sistema clássico, o professor sabe "tudo", ensinou "tudo" e, portanto, é ele quem dá a nota de acordo com o que o aluno conseguiu fazer na prova de "tudo".
Na avaliação formativa, se os alunos não participam do processo, o julgamento não é nunca bem feito. E por razões óbvias. Imaginemos, por exemplo, um professor de música que está ensinando interpretação de peças românticas a partir de um padrão bem definido. Como se imagina que o aluno possa aprender se ele não conseguir perceber, por conta própria, a diferença entre este padrão e outros padrões? E como o professor poderá levá-lo a perceber a diferença se ele não mostrar o que pensa a respeito, se ele não se expressar e, finalmente, chegar a uma compreensão de porque sua compreensão é diferente da do professor? Sem saber o que é esperado ele nunca pode aprender. É assim com a avaliação: se o aluno não for capaz de fazer auto-avaliação, ele não consegue aprender, porque não consegue distinguir bem quando acerta ou erra e, especialmente, porque acerta ou erra.
Num currículo por competências, torna-se bastante mais seguro avaliar o processo educacional, uma vez que a linguagem das competências permite que o professor de uma área saiba bem claramente o que é esperado de outras áreas e, claro, o que é de construção comum compartilhada. Se, por um lado, os projetos de trabalho normalmente envolvem mais de uma área, é bastante natural e simples que as avaliações sejam interdisciplinares. E, por outro lado, é ainda mais natural que as decisões de progressão e de certificação desse Conselho interdisciplinar sejam mais saudáveis e bem assentadas. Sem falar que o peso das tarefas sobre os ombros das equipes de professores disciplinares também fica mais diluído.

Conclusão
Até aqui utilizamos a expressão "avaliação dialógico-formativa" mais na sua forma reduzida, "avaliação formativa". No entanto, essa redução implica o contrário do que pode sugerir à primeira vista. Nela, o aspecto importante mesmo é o de ser "dialógica". O que isto significa? Que um dado modelo de avaliação articula-se com uma determinada visão de mundo. Falar criticamente sobre a visão projetada pelo modelo tradicional é afirmar seu caráter extremamente excludente. Em sua rigidez pedagógica, favorece a submissão, a dominação e a hiper-competição. É antidemocrática e anti-solidária.
Apenas quando todos os agentes envolvidos no processo têm chances iguais de se expressar e manifestar seus pontos de vista é que se pode construir um processo educacional compartilhado. Se avaliar é julgar, e se julgamos todos unicamente a partir de nós mesmos sem considerar o que os outros pensam de nós e o que pensam sobre si mesmos, como poderemos esperar construir um mundo compartilhado, uma sociedade justa, igualitária e solidária?
Educar para a cidadania requer uma vida escolar inteiramente dialógica, vale dizer, democrática: é em situação, num contexto, que se constroem as competências. É no diálogo que os alunos – e também os professores – aprendem o diálogo e a democracia. E é unicamente na avaliação dialogada que, efetiva, prática e politicamente, o poder escolar deixa de ser totalitário para ser, enfim, expressão de todos, sinal do reconhecimento e da aceitação mútua, compromisso de vida e fraternidade.

Aldir A. Carvalho Filho *

NOTAS:
* Professor do Colégio Pedro II. Doutorando em Filosofia Política na UFRJ. Consultor em Educação.
FUGANTI, Luiz Antonio. Saúde, Desejo e Pensamento. In: Saúde e Loucura 2: 19-82. São Paulo: Editora Hucitec (s/d).
MORIN, Edgar. Ensinar a Condição Humana. In: Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, Brasília, DF, UNESCO, 2000.
TRINDADE, Azoilda Loretto da. O racismo no cotidiano escolar. Rio de Janeiro: FGV/IESAE. Dissertação de Mestrado, 1994.








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