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quarta-feira, 14 de abril de 2010

Os Espaços e os Tempos Escolares

Avelino Romero Pereira*

Diversidade e flexibilidade são duas idéias-força para se repensar o cotidiano das práticas pedagógicas na escola de Ensino Médio. Assegurar condições para a expressão do diverso na escola e subverter as rotinas escolares, introduzindo nelas dinâmicas flexíveis, é, na verdade, reinventar a escola.

Em um momento em que o Ensino Médio brasileiro passa por transformações tão radicais que incluem o redimensionamento da utilização dos prédios escolares e investimentos financeiros em obras e equipamentos, por que não colocar em discussão a própria organização espacial interna das escolas? Claro que também não se pode exorbitar em propostas inovadoras interessantes, porém inviáveis, por acarretarem despesas inexeqüíveis por parte dos sistemas educacionais. Mas além da urgência de se repensar o padrão arquitetônico e mobiliário de nossas escolas, sob pena de gastarmos o pouco dinheiro com o que já era – ou deveria ter ido –, há muito que se possa fazer desde a própria escola, uma vez que os agentes educacionais que nela atuam estejam conscientes dos benefícios da adoção de uma concepção flexível do espaço e tempo pedagógicos e os gestores dos sistemas não criem dificuldades à inovação.

Desde que a escola esteja equipada com espaços diferenciados, como biblioteca, laboratórios de ciências e de informática e oficinas de arte, é possível instituir uma nova dinâmica com a otimização desses espaços. Um primeiro problema está em que muitas vezes tais espaços não são vistos como prioridade. É inconcebível que uma escola funcione sem uma biblioteca ou mesmo que a biblioteca seja tratada como mero depósito de livros imprestáveis, em geral edições antigas de velhos livros didáticos. O desenvolvimento de hábitos de leitura e investigação bibliográfica é fundamental para a formação do jovem estudante de Ensino Médio, que quase sempre não tem acesso ao livro no ambiente familiar.

A ausência da biblioteca porém não deve ser impeditiva para essa mesma prática. Há a possibilidade do recurso a bibliotecas de outras instituições vizinhas ou a criação de acervos móveis para serem utilizados pelos alunos, sem sair da tradicional sala de aula. A transformação do espaço da aula em sala-ambiente, por exemplo, experiência que vem sendo desenvolvida com sucesso em muitas escolas públicas, dá uma das melhores respostas à necessária subversão da rigidez do espaço escolar.

Sem que se precise abandonar a sala, a hierarquização, a rigidez e a repetição são quebradas mediante a instituição de uma nova dinâmica de organização interna do espaço, transferindo-se para ele acervos dispersos pela escola e, às vezes, mal utilizados. Livros, vídeos, mapas, laboratórios ou kits móveis de ciências e até computadores podem equipar as salas atendendo às especificidades de cada área específica de conhecimento. Em muitas escolas, são os alunos que se movem de uma sala a outra, ao invés de permanecerem passivamente aguardando o professor em um ambiente desprovido de atrativos e recursos para aprendizagens às vezes tão diferenciadas. O habitual é que o padrão de sala pobre de recursos acabe resultando em aulas igualmente pobres de recursos.


Embora se possa fazer muita coisa nova e boa mesmo dentro das velhas estruturas, a adoção do princípio da flexibilidade na organização curricular pede um pouco mais de ambição, criatividade e ousadia no uso do tempo. E isso por diversas razões. Primeiro, porque nada assegura que sejam necessárias unidades de quarenta ou cinqüenta minutos para que a aprendizagem se dê. Ainda esta vez, é preciso superar a repetição. Dependendo do que esteja ocorrendo no processo de aprendizagem, cinqüenta minutos podem significar muito, mas também podem significar pouco. Isto porque a concepção de aprendizagem com que estamos lidando não é mais aquela da simples transmissão e reprodução de informações. Para o sucesso da concepção "bancária" bastava cortar o conhecimento em pequenas fatias e distribuí-las ao longo das diversas horas de cinqüenta minutos. O que importava era a quantidade de informação, não a qualidade da formação. Se o que queremos é que o educando construa competências e conhecimentos significativos para sua vida social e se reconhecemos que a complexidade da vida social exige, por coerência, uma aprendizagem também complexa, não podemos abandonar a perspectiva de adotar novas práticas pedagógicas, como, por exemplo, o trabalho por projetos, que exige um planejamento flexível e não linear.


Não é curioso como muitas escolas desenvolvem ricas experiências de "semanas da escola", "semanas de ciências" ou "semanas culturais", durante as quais as amarras do cotidiano são rompidas e alunos e professores podem interagir livremente no desenvolvimento de atividades variadas e interessantíssimas para todos? Não é curioso que tanto professores como alunos dêem depoimentos bastante entusiasmados dos resultados que obtiveram, do quanto aprenderam e de como foi prazeroso aprender dessa forma? Pois é, mais curioso ainda é que isso aconteça uma única vez por ano e na semana seguinte tudo volte a ser a mesma chatice incômoda de sempre. Se as escolas dão seguidas provas de que é possível fazer isso às vezes, por que não fazê-lo mais vezes? Sem falar da incoerência simbólica de se querer circunscrever a ciência ou a cultura a uma única semana. Para que, então, servem as outras semanas?


Claro que ninguém está pedindo para transformar o cotidiano da escola num verdadeiro caos que não se possa administrar. A mudança requer um planejamento e que este seja flexível para prever a possibilidade de se romper com a prática rotineira quando isto se fizer necessário, para o bem da aprendizagem dos alunos. Mas, para que isto ocorra, será preciso reinventar o ambiente e o trabalho escolar, deixando de lado para sempre a estagnação e o conservadorismo.


NOTAS:


* Professor Assistente de História da Música da Uni-Rio; ex-Professor do Colégio Pedro II e ex-Coordenador-Geral de Ensino Médio da Semtec/MEC.


1. FRANÇA, Lilian Cristina Monteiro. Caos - Espaço - Educação. São Paulo: Annablume, 1994, p. 13-4.

2. Idem, p. 57.







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